Lembro-me em detalhes do nosso último encontro, você sempre livre e fugaz me acariciou a face e com brilho nos olhos me questionou a existência. Você sem medir o poder das palavras me indagou sobre o amor em mim por ti. Trincando por dentro em árticas correntes circulares te olhei como o mais frio dos mortais e um retumbante não saiu de minha boca como um cortejo de morte. A mágoa te fez distante a momento e a mim sobrou o orgulho de quem queria acreditar que era verdade. Acreditar que muitas mentiras repetidamente faladas viram verdades ocultas ou histórias veladas. Quis ignorar a onipresença do simples pensar no seu nome. Sei que o teu toque na minha pele mortal incendeia e que ei de beijar-te muitas vezes e em sua sombra caminhar ileso sobre o caminho dos politicamente corretos. Me dói sentir um prazer quase sarcástico em perceber o quanto me conforta o desenrolar da vida alheia, suas falhas, seus sinais, seus símbolos, seus vícios, seus sentidos. Me faz sentir perfeito no momento enquanto visto em meu íntimo as vestes da impunidade e nestas horas o seu nome sussurra em meu ouvido, beija-me a orelha lentamente, me faz ter um apelo vulgar, abandonar ao vento a intelectualidade inerente em tudo o que me torna humano e me abraçar ao veneno de tudo que não se conjuga, que se cria e apenas se propaga, sem um peso certo, sem um certo nexo, apenas, por mal dizer e gostar; por um pronunciar vago onde na tentativa de ganhar mais luz os papéis se alternam, às vezes vítima, às vezes herói. Queria odiar-te ou ao menos a ti ser indiferente, mas, és marcante, incisiva e quando não a mim, toma outros que pelas ruas me condenam ao inferno pela certeza das informações que tem ou pela habilidade de acreditar em qualquer coisa. Espero olhar-te de frente e não querer tocar-te, mesmo sendo eu apenas um fantoche no seu teatro mundo de nome Sociedade. Almejo ser livre e não perder no pôr do sol até a minha essência, gozar de mais liberdade que a fornecida por um porre de cachaça e comprimidos. Quero olhar no espelho e ao tirar o personagem descobrir que ainda há alguém ali, alguém que me inspire à integridade. Quero alguém que goze comigo de um prazer intenso, de um sonhar com a vida e para isso ,mesmo que me corrompa a alma , não pode ser você. Não me agrega o simbolismo de dois formarem um; no desgaste, meio é nada, meio é um ponto perdido, num labirinto escuro há longas horas do nascer do sol, dois é a possibilidade de crescer e construir e um, ainda assim, é a possibilidade de lutar até o fim pelo seus sonhos. Menti para você aquele dia, queria ter dito amar-te, ter admitido que a tua sombra mais fácil descanso, bem menos penso, tão pouco faço algo. Queria ter dito que dizer não, me fez morrer ali, me fez desidratar ao chorar o buraco que sobrou de sua ausência, mas, ao ruir de um mundo, do meu mundo, percebi que todo final de ciclo é uma morte e todo início uma chance de uma nova vida. Descobri que viver é arriscar, é uma busca egoísta e também sadia da melhor maneira de se fazer feliz. Do encontro do brilho simples de pequenas coisas que tecem a história do que somos, do que sonhamos ser, do que planejamos para o futuro e da emoção de planejarmos em um campo em que não se tem certeza de nada. E é com estas verdades que encerro o meu pensamento e ainda com lágrimas nos olhos me despeço de ti ao descobrir que será do final do nosso amor o começo da minha vida.
Dam Nascimento