Tiritando de frio, sentado na caixa de engraxate, contava as moedas.
Contente, o dia tinha sido bom, além do que aquele senhor, cadê ele? Sumiu
de repente! Agora mesmo passou por mim e deixou cair em minhas mãos um
punhado de moedas. Teria sido um fantasma? Claro que não, não acreditava em
fantasmas. No entanto não perceberá a aproximação dele, somente viu as
moedas caindo em suas mãos. Mal levantou a cabeça para agradecer. Não
reparou direito no rosto. Assim como ele apareceu sumiu. Quem seria? Não
quis pensar muito não, voltou à contagem das moedas. Nossa, talvez uns dez
reais... Recomeçou a contagem. Achegou-se mais para baixo da marquise para
fugir da garoa e aproveitar mais a luz. Nossa! Quase vinte reais! Levaria
algo para casa. Para a irmã doente. Um presente, já que é Natal. Não
presente não, o melhor seria comida, isso mesmo levaria comida. Coitada não
tinha culpa por ter nascido doente. Bêbada a mãe se acusava e acusava o
marido por ter abandonado eles. Mal cuidava da filha. Gritava com a pequena
que mal entendia. Sofrendo da síndrome de Dawn, dissera o médico quando
nascera, sozinha com os dois filhos, fraca se entregara a bebida. Sóbria
conseguia fazer alguma coisa, uma comida sonsa, simples sem muita sustância,
mas fazia. Embriagada não fazia nada. Por sorte, dona Rita, que vivia no
barraco ao lado, dava comida, lavava, cuidava da irmã. Agora com aqueles
quase vinte reais, poderia levar algo melhor para irmã e, por que não, para
ele também. Só tinha que esconder o dinheiro para a mãe não gastar em pinga.
Enfiou todo o dinheiro no bolso. Colocou a caixa de engraxate nas costas e
se pôs a caminhar. Não vou pegar ônibus não, vou a pé, apesar da distância.
Feliz caminhava rente a parede fugindo da garoa baixando a temperatura da
noite. Apressou o passo. Talvez andando depressa se esquentaria um pouco.
Nisso ouviu um voz conhecida gritar. Oh! Almofadinha veado. Era o Dotado.
Esquecera do pilantra. Dotado, engraxate como ele, cobrava dos meninos que
trabalhavam na sua área, área que ele conclamava como sua, uma taxa, e,
aqueles que não tinham dinheiro pagavam com prazeres sexuais. Moleque, tendo
o físico de lutador de boxe e o membro avantajado, por isso o apelido de
Dotado, dominava os mais fracos, o qual tirava proveito da situação. Estava
sempre cercado de cinco ou sete meninos bajuladores, medrosos de apanhar ou
ser por ele enrabado. Almofadinha, era ele chamado porque estava sempre bem
vestido. Isto é, não se vestia como eles, sujos, esfarrapados, demonstrando
realmente o que eram. Ele não, procurava sempre vestir roupa limpa, não
precisava ser passada a rigor, mas que demonstrasse cuidado, com isso
conseguiu maior clientela que seus amigos moleques de rua. Por isso, foi
apelidado de Almofadinha. Agora estava ali de frente com Dotado a exigir sua
taxa de pagamento. Não queria pagar e, por outro lado, não podia fugir. Da
última vez em que se encontraram, foi dominado pelos bajuladores de plantão,
subjugado pagou em felação tendo a garganta machucada, não podendo por
vários dias engolir direito. Da próxima vez que mentir, vou comer o teu
rabo, gritou Dotado ao seu ouvido. Não ele não entregaria o dinheiro para
esse malandro não. Tinha um plano bolado na hora. E aí, veado almofadinha do
caralho, vai pagar a taxa ou vai querer o que? Sem pensar, respondeu. Vou te
chupar e depois se você quiser pode me comer. Ua! Gritou Dotado, assim que
eu gosto, vamos lá então, venha. Disse abrindo a braguilha e expondo o
membro para fora. Almofadinha devagar, se ajoelhou, se aproximou e sem que
vissem, deixou a lamina escorregar pela manga da blusa, caindo em sua mão.
Ao mesmo tempo em que seus lábios tocavam a glande intumescida, os dedos se
fecharam em volta da lamina e rapidamente o golpe foi desferido. Dotado
urrou de dor, dobrou o corpo, ensangüentado caiu ao chão berrando como
bezerro sem mãe. Filho da puta, matem o veado, chorou rolando de dor.
Almofadinha, ligeiro correu pela avenida. Não olhou para trás. Sabia que os
asseclas do Dotado o seguiam. Ágil nos pés, dobrou a esquina, atravessou a
rua ao mesmo tempo em que ouviu uma freada e um baque.
Pela primeira vez, depois de quase dez anos, a irmã do Almofadinha esboçou
um sorriso e uma lágrima escorreu por sua face e seus olhos se fecharam
feliz.
O relógio da sala batia precisamente meia-noite anunciando o Natal.
Pastorelli